Fortalecer a rede de proteção, capacitar profissionais e ampliar políticas públicas foram apontados como caminhos indispensáveis para prevenir e enfrentar a violência contra crianças e adolescentes no Paraná. O tema foi debatido em audiência pública realizada ontem (4), na Assembleia Legislativa do Estado, reunindo especialistas, autoridades e representantes da sociedade civil.
A deputada estadual Secretária Márcia (PSD), proponente da audiência e vice-presidente da Comissão de Saúde Pública, classificou a discussão como “um debate difícil, pesado, mas muito necessário”. Ela apresentou números alarmantes: apenas em 2024, o Hospital de Clínicas de Curitiba registrou 720 casos de maus-tratos contra crianças, sendo 420 de suspeita de abuso sexual. Entre as vítimas, duas tinham apenas quatro meses de vida. Houve ainda 135 internações, número superior ao de 2023, com crescimento de mais de 60% nas ocorrências de lesões físicas.
Dados do Sistema de Agravos de Notificação (Sinan) mostram que, em 2022, foram 17.960 casos de violência contra crianças e adolescentes de 0 a 17 anos no estado. Negligência e abandono lideraram as notificações (40%), seguidos por agressões físicas (27,6%), violência psicológica (20,5%) e sexual (18,5%). Segundo a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), 72% dos episódios ocorrem dentro do próprio lar.
Márcia também destacou o projeto de lei 577/2025, de sua autoria, que cria a Semana Estadual de Capacitação em Diagnóstico e Tratamento das Violências contra Crianças e Adolescentes. A iniciativa pretende preparar profissionais da saúde, educação e assistência social para identificar sinais de agressão e acionar medidas de proteção.
A promotora de Justiça Tarcila Santos Teixeira reforçou que 95% das violências ocorrem em ambiente familiar, muitas vezes associadas a crimes sexuais. Para ela, a prevenção deve incluir informação direta às crianças, permitindo que saibam identificar situações de risco e busquem ajuda.
A pediatra Luci Yara Pfeiffer, da Sociedade Paranaense de Pediatria e coordenadora do Dedica-PR, ressaltou que os impactos da violência na infância comprometem toda a vida da vítima. “Quando se destrói a infância, se destrói uma sociedade”, afirmou. Ela defendeu que o enfrentamento seja tratado como prioridade de Estado.
Casos extremos também foram relatados. A vereadora Tania Guerreiro, que atua há 35 anos no combate à pedofilia, mencionou vítimas muito jovens, incluindo um bebê de apenas oito dias, morto após abusos cometidos pelos próprios pais. “O silêncio só protege o agressor, que rouba a inocência e a infância da criança”, disse.
Representantes da saúde reforçaram o papel estratégico da notificação e do ambiente escolar. Elaine Vieira, da Sesa, lembrou que os primeiros sinais costumam ser percebidos em consultas médicas. Jane Sescatto, da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba, destacou o Programa Saúde na Escola como aliado essencial na prevenção.
Outros especialistas defenderam medidas como capacitação permanente de professores e agentes de saúde, acompanhamento contínuo dos casos e até a criação de uma Patrulha da Família, proposta pela delegada Luciana Alves, nos moldes da Patrulha Maria da Penha.
A audiência foi encerrada com o relato de boas práticas, como o Programa Proteger, desenvolvido em Paranaguá e apresentado por Domingos Murta, presidente da Associação dos Amigos do HC. A iniciativa capacita profissionais para detectar sinais de violência e oferecer respostas rápidas às vítimas.
O consenso entre os participantes é de que a violência contra crianças e adolescentes deve ser enfrentada de forma estruturada, contínua e integrada. Mais do que números, cada caso representa uma vida marcada e um futuro comprometido. A sociedade, o poder público e as instituições têm a responsabilidade de agir para romper o ciclo de violência e garantir um desenvolvimento saudável às novas gerações.