O Brasil está entre os líderes de um triste ranking: segundo dados da ONU, o país ainda é um dos países que mais agridem e matam mulheres em todo o mundo, figurando em quinto lugar em casos de feminicídio. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública mais recente, 21,4 milhões de brasileiras sofreram algum tipo de violência enre 2022 e 2023, sendo 1,2 milhão só de violência doméstica.
O persistente aumento de agressões, de feminicídio e a desigualdade de gênero no país fizeram com que o Senado avançasse, no primeiro semestre de 2025, em pautas com foco na proteção, inclusão e valorização das mulheres. Propostas legislativas viraram leis com potencial para transformar essa realidade, como a que agrava pena em crime de violência contra a mulher com uso de inteligência artificial (IA) e a que permite monitoramento eletrônico de agressores de mulheres.
No país ainda são frequentes os casos de mulheres assassinadas ou que sofrem violência recorrente mesmo após conseguirem medidas protetivas contra ex-companheiros. Só em 2024, a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher da Polícia Civil do Rio de Janeiro realizou 96 prisões por descumprimento de medidas protetivas.
Nesse sentido, um dos avanços mais significativos no primeiro semestre de 2025 foi relacionado ao aprimoramento de medidas protetivas de combate mais amplo à violência doméstica.
A Lei 15.125 , que permite o monitoramento de agressores de mulheres por meio de tornozeleiras eletrônicas, por exemplo, veio como mais uma medida para reforçar a proteção às mulheres que estão nessa situação. Ela teve origem no projeto de lei ( PL 5.427/2023 ) do deputado federal Gutemberg Reis (MDB-RJ) e, no Senado, foi relatado pelos senadores Paulo Paim (PT-RS) e pela senadora Leila Barros (PDT-DF), que liderou a Bancada Feminina até o início de julho deste ano.
A Lei Maria da Penha já previa medidas como o afastamento do agressor do lar e a proibição de contato com a vítima, além da participação em programas de reeducação. Agora, com a nova lei, passa a incluir também o monitoramento eletrônico entre as possibilidades de proteção imediata.
Essas medidas são fundamentais para proteger a mulher em situação de violência que está sob ameaça ou que foi agredida, ou sofreu violência psicológica ou moral. E nova lei veio para aprimorar esses instrumentos.
Em outra frente, o Congresso aprovou e o presidente da República sancionou a lei que agrava a pena para o crime de violência psicológica contra a mulher praticado com o uso de inteligência artificial (IA) ou de qualquer outra tecnologia que altere imagem ou voz da vítima.
Uma das formas mais atuais desse tipo de crime utiliza deepfakes: vídeos ou imagens falsificadas por IA envolvendo mulheres reais. Essas produções geralmente incluem a divulgação de conteúdos pornográficos falsos simulando nudez e, muitas vezes, são usadas como forma de ameaça, constrangimento, humilhação e chantagem.
A Lei 15.123, de 2025 , oriunda do PL 370/2024 , aumenta pela metade a pena por dano emocional à mulher nos crimes com alteração da imagem ou som da mulher com uso de tecnologia. Assim, o criminoso pode ser condenado a até três anos de reclusão, além de multa. A iniciativa foi da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e, no Senado, relatada pela senadora Daniella Ribeiro (PP-PB),
Também virou lei em 2025 a proposta que proíbe práticas discriminatórias em processos seletivos para concessão ou renovação de bolsas de estudo e pesquisa. A Lei 15.124, de 2025, impede que estudantes ou pesquisadores sejam prejudicados por motivos como gestação, parto, adoção ou guarda judicial. O texto foi originado no PL 475/2024 , da deputada Erika Hilton (PSOL-SP).
A nova norma determina ainda que perguntas sobre planejamento familiar sejam vedadas durante entrevistas, salvo por iniciativa do candidato. Em caso de licença-maternidade, o tempo de avaliação da produtividade científica será estendido em dois anos. No Senado, o projeto contou com parecer da senadora Leila Barros.
Já no âmbito da assistência à saúde e resgate da autoestima feminina, foi sancionada a lei que amplia o direito das mulheres de recorrer ao Sistema Único de Saúde (SUS) para realizar a cirurgia plástica reparadora de mama. Agora isso também será possível em caso de mutilação total ou parcial do órgão, independentemente da causa. A lei também assegura, no âmbito do SUS, o direito ao acompanhamento psicológico e multidisciplinar especializado para as mulheres com mutilação de mama por causa de técnica cirúrgica.
Até então, a legislação só previa essas operações no âmbito do SUS em casos relacionados a tratamento de câncer.
A nova norma, teve origem no PL 2.291/2023 , da senadora senadora Margareth Buzetti (PSD-MT). Como o texto foi sancionado no último dia 17 de julho, seus efeitos entrarão em vigor em quatro meses a partir dessa data.
Nos casos de agressões, as lesões na região da cabeça e pescoço são comuns, afetando a mastigação, a fala e a saúde emocional.
Pensando na assistência à essas mulheres, o Senado aprovou em março a criação do Programa de Reconstrução Dentária para Mulheres Vítimas de Violência Doméstica. A matéria foi convertida na Lei 15.116, de 2025 e garante atendimento odontológico especializado pelo SUS, com foco na recuperação da saúde bucal de mulheres que sofreram lesões físicas decorrentes de agressões.
O programa, que teve origem no PL 4.440/2024 , da deputada Simone Marquetto (MDB-SP) e relatada pela senadora Dra. Eudócia (PL-AL), prevê a realização de procedimentos como reconstruções dentárias, próteses, tratamentos estéticos e ortodônticos.
Outras matérias avançaram no Senado e aguardam decisão final na Câmara dos Deputados. É o caso do PL 2.083/2022 , denominado “Lei Bárbara Penna”, que proíbe condenados por violência doméstica de se aproximarem da residência ou do local de trabalho da vítima e de seus familiares. O texto, da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), também classifica ameaças e agressões no contexto domiciliar como crime de tortura.
Inspirada na história de Bárbara Penna, vítima de tentativa de feminicídio em Porto Alegre, a proposta inclui mudanças na Lei de Execução Penal, estabelecendo punições mais rigorosas para presos que descumprirem medidas de distanciamento, inclusive com a aplicação de regime disciplinar diferenciado (RDD) e transferência compulsória para presídios em outros estados.
Outra proposta aprovada no Senado é o PL 5.881/2023 que determina a publicação, a cada dois anos, de um relatório com dados do Registro Unificado de Violência contra as Mulheres. O projeto é de autoria da senadora Damares Alves (Republicanos-DF) e busca aprimorar a produção de dados para subsidiar políticas públicas.
Já o PL 435/2023 , do senador Jader Barbalho (MDB-PA), assegura gratuidade automática e prioridade nas ações cíveis relativas a mulheres vítimas de violência, além de estender esses benefícios a familiares da vítima em caso de morte. O texto que seguiu para análise dos deputados é um substitutivo apresentado pelo senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), e busca eliminar barreiras burocráticas que dificultam o acesso à Justiça.
Os senadores também aprovaram o PL 4.842/2023 , que obriga clubes de futebol a exibirem campanhas de conscientização sobre violência contra a mulher durante eventos esportivos com mais de 10 mil pessoas. A medida se aplica a clubes que recebem verbas públicas de loterias federais e exige que as campanhas sejam veiculadas nos telões, sonorização e sistemas de mídia dos estádios. O projeto é da senadora Augusta Brito (PT-CE).
Além de avançar em propostas de proteção e de promoção da saúde às brasileiras, há um tema que deve ganhar atenção especial da bancada feminina no segundo semestre: a garantia da representatividade da mulher no espaço político, com a defesa de alterações no novo Código Eleitoral. O Projeto de Lei Complementar (PLP) 112/2021 está em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), chegou a ser debatido em várias reuniões do colegiado, mas está longe do consenso entre os senadores. Se for aprovado, o texto seguirá para a análise do Plenário.
Relatado pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI), o texto consolida a legislação eleitoral e partidária em uma única norma, com 877 artigos, mas há questões que continuam a gerar controvérsias entre os parlamentares, especialmente entre as senadoras: o estabelecimento de uma cota mínima de candidaturas e financiamento para as vagas do Legislativo para mulheres.
A proposta, já aprovada na Câmara, foi classificada pelas senadoras como um “retrocesso” ao retirar a obrigatoriedade de partidos e federações destinarem, no mínimo, 30% das candidaturas e do financiamento eleitoral para mulheres, como é hoje. O relatório do senador Marcelo Castro traz uma alternativa prevendo a reserva de 20% das cadeiras no Legislativo para mulheres durante 20 anos.
Na avaliação da senadora Zenaide Maia (PSD-RN), a medida mantém a desigualdade de gênero na política e enfraquece uma conquista obtida por decisão do Poder Judiciário.
— Durante 20 anos, duas décadas, vamos continuar com 80% de homens aqui e 20% de mulheres. Isso a gente não pode negociar [obrigatoriedade de 30%]. A gente conquistou isso aqui no dia a dia, com muita luta, com muito respeito. E eu digo sempre, não estamos pedindo privilégios; estamos querendo direitos — afirmou durante pronunciamento no Plenário.
Outra senadora que também saiu em defesa da manutenção dos incentivos para ampliar a representação feminina no legislativo foi a senadora Leila Barros. Na opinião dela, o texto precisa assegurar justiça e equidade no processo político.
— Defendemos, com firmeza, a manutenção e ampliação dos mecanismos de incentivo à participação feminina na política: cotas de candidaturas e vagas, distribuição proporcional de recursos e combate à violência política de gênero. O novo marco legal precisa refletir o compromisso da democracia com a inclusão.
A líder da Bancada Feminina, senadora Professora Dorinha (União-TO), afirmou que o relatório do senador Marcelo Castro “tenta avançar” ao estabelecer a cota mínima de cadeiras na Câmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais para mulheres. No entanto, ela também defende que não se deve abrir mão da cota de 30% de candidaturas diante da baixa representatividade feminina nesses espaços.
— Eu só não concordo que, nesse processo de aprendizagem e de fortalecimento da cota, enquanto ainda temos uma desigualdade tão grande, em que o Brasil tem uma sub-representação de mulheres, porque nós perdemos até para países em que as mulheres usam burca, eu não entendo que a gente possa abrir mão dos 30% de candidaturas (...). Tanto é que os números mostram que, mesmo continuando as atuais regras, a partir de 2032 a gente já teria alcançado os 20% das cadeiras. Isso não sou eu que estou falando. Tem pesquisas e dados estatísticos que mostram isso — disse a senadora durante a discussão da matéria na CCJ, em 9 de julho.
Foi também no primeiro semestre de 2025 que o Senado registrou um marco histórico: inaugurou o gabinete da liderança da Bancada Feminina. O espaço fica na Ala Senador Dinarte Mariz e agora garante às senadoras uma estrutura semelhante às das lideranças partidárias, facilitando a realização de reuniões e atividades necessárias ao funcionamento da bancada.
O gabinete foi proposto pelo ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco e concretizado pelo atual presidente da Casa, Davi Alcolumbre. A inauguração ocorreu no período em que a senadora Leila Barros (PDT-DF) ainda estava à frente da bancada. O cargo foi assumido pela senadora Professora Dorinha no início de julho.
As senadoras avaliaram que o gabinete, mais que um espaço físico, representa um espaço político e institucional e o marco de uma grande luta.
— Este gabinete é um instrumento de trabalho, de luta e de construção coletiva. Temos agora o nosso cantinho. Mas não podemos parar; o caminho é longo e o desafio é constante. Precisamos seguir lutando — afirmou Leila durante a inauguração do espaço.
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