Um Paraná com menos discriminação e mais diversidade é luta comum, exaltada na audiência pública realizada ontem (terça-feira, 27), no Plenarinho da Assembleia Legislativa do Paraná. O evento, alusivo ao Dia Internacional de Enfrentamento à LGBTQIA+fobia, reforçou a necessidade de ações legislativas, políticas públicas e do acesso a direitos constitucionais básicos, muitas vezes negados a essa parcela da população.
Proponente do evento, o presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Professor Lemos (PT), é autor da Lei nº 16.454/2010, que criou o Dia Estadual de Enfrentamento à LGBTQIA+fobia. A data faz referência ao dia em que a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1990, retirou a homossexualidade da classificação de doenças e problemas relacionados à saúde. Desde então, a data serve para conscientização sobre a luta pelos direitos das pessoas LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais, Travestis, Queer, Intersexo, Assexuais e demais orientações sexuais e identidades de gênero).
“É uma luta pública por direitos, igualdade e contra o preconceito e a discriminação. Não se pode desrespeitar as pessoas por conta de sua orientação sexual. Nenhuma categoria social pode ser discriminada. Portanto, este é um espaço de debate e para que políticas públicas sejam extensivas a toda a população paranaense e brasileira”, afirmou o parlamentar.
Diretor de Vínculo com a Comunidade do Grupo Dignidade, Lucas Siqueira falou sobre a necessidade de fazer valer a Constituição Federal na prática, pois, segundo ele, sem os movimentos sociais, os direitos constitucionais ficam distantes da realidade. “O que destrói uma família não é o respeito ao amor, mas quando uma mãe enterra um filho ou uma filha vítimas da LGBTQIA+fobia. Não se trata de uma escolha deliberada, e sim de uma condição inerente à pessoa”, reforçou.
Ele atribuiu às audiências públicas contínuas, como a realizada nesta terça, a conquista de recursos para a pauta LGBTQIA+. “Não existe política pública sem dinheiro, por isso o tema precisa estar no orçamento. É por isso que, pela primeira vez, as 22 regionais estaduais convocaram conferências e haverá representantes de todo o Estado, nos dias 22 e 23 de agosto, em Curitiba, na Conferência Estadual”, contou.
Segundo o coordenador nacional do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT), Fabian Algarte da Silva, dados coletados desde 2022 mostram que 70% da população transmasculina no país já tentou suicídio. “Não há suporte na estrutura social para garantir estabilidade mental a quem vive ouvindo que é uma aberração, uma abominação, um erro, um absurdo. A violência não acontece porque a gente existe, mas porque o preconceito existe”, disse.
Ele destacou que a proteção constitucional da dignidade da pessoa humana assegura o acesso irrestrito a políticas públicas como educação, saúde, segurança, trabalho e lazer. “Se uma parte da sociedade não tem acesso, o Estado é omisso conosco. E se essa parcela demanda e não recebe, o Estado é criminoso com a gente. Dialogar com o Estado é obrigação da sociedade civil, para que o poder público avance na obrigação de fazer. E o deputado Lemos nos traz aqui para reforçar essa obrigação de fazer e buscar legislações que avancem em políticas públicas. Ainda somos legalmente desprotegidos”, afirmou.
Conselheira Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ e articuladora nacional da Liga Brasileira de Lésbicas e Mulheres Bissexuais, Leo Ribas trouxe dados do Lesbocenso, que alcançou 21 mil mulheres em todos os estados e territórios do país, como quilombos, aldeias indígenas, sistema prisional, comunidades ribeirinhas, locais de prostituição, entre outros.
Segundo o levantamento, 80% relataram ter sofrido algum tipo de violência motivada pela orientação sexual — desde violências simbólicas e agressões até lesbocídio e estupros corretivos, geralmente praticados por pessoas do próprio convívio, como pais, irmãos e tios.
“Números como estes não estão no IBGE. Os estados também precisam desses dados para a promoção de políticas públicas, e não devem ficar apenas nas mãos da sociedade civil organizada. É um desafio imenso em nossa sociedade, principalmente no Brasil, com o avanço do conservadorismo e de algumas instituições religiosas”, acrescentou Leo Ribas.
Para o conselheiro do Conselho Nacional das Pessoas LGBTQIA+ do Ministério dos Direitos Humanos (CN-LGBTQIA+), professor e doutorando em Educação, Clau Lopes, “a educação historicamente está na pauta dos conservadores, que nos colocam como marginais dentro das escolas, onde há anos estamos enfrentando fake news que se espalham nas casas de pais e responsáveis”.
Segundo Lopes, 80% dos estudantes LGBTQIA+ já se sentiram inseguros nas escolas; quase 90% de alunos e professores sofreram agressões verbais em 2024; e 34% sofreram violência dentro das instituições de ensino. “Nossa luta é por uma escola pública e plural para todos, todas e todes”, acrescentou.
Mestre em Administração Pública pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e conselheiro de Planejamento e Administração da universidade, Diego Medeiros afirmou que o racismo e a LGBTQIA+fobia são ferramentas tecnológicas de poder. “Não são utilizadas de maneira inocente, mas com o objetivo de oprimir e matar. Quantos foram mortos e quantos morrem sem poder viver e expressar sua natureza. Não queremos migalhas de aceitação, porque não há nada errado conosco”.
Homem trans, mestre em Educação pela UFPR e professor da rede municipal de Curitiba, Luiz Miguel Portella reforçou que a educação é um dos direitos fundamentais, mas negado sistematicamente à população LGBTQIA+ nos espaços escolares.
“Como não fazemos parte dos censos oficiais, temos entidades que trabalham com dados próprios e que mostram que a escola não é um espaço acolhedor, mas sim hostil e violento. Cerca de 80% dos alunos trans e travestis estão fora das primeiras etapas da educação”, contou.
Segundo ele, o cenário evidencia a necessidade de incluir a população LGBTQIA+ na construção do Plano Nacional de Educação (PNE), com diretrizes para os próximos dez anos. O tema foi discutido em audiência pública na Assembleia Legislativa do Paraná.
A ouvidora da Defensoria Pública do Paraná (DPE-PR), Karolline Nascimento, destacou que a data deve ser encarada com empatia e compromisso. “O dia existe porque pessoas sofrem violência física, simbólica e institucional apenas por existirem. É uma realidade estrutural nas escolas, nos lares, nos espaços públicos e até em instituições que deveriam proteger. Por isso, o Brasil segue como um dos países que mais mata no mundo”, afirmou.
Segundo ela, a luta ainda é por direitos básicos à vida, dignidade e respeito, para que todos possam viver sem medo de serem quem são. “O deputado tem um papel fundamental nessa luta, pois é na esfera estadual que muitas políticas públicas se concretizam. Que o poder público e os representantes estaduais estejam do lado certo da história: da igualdade, da justiça e do respeito”, enfatizou.
Presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-PR, o advogado Marcel Jeronymo pontuou que a luta contra a LGBTQIA+fobia é inseparável da luta contra o racismo, o machismo e o patriarcado. “São lutas irmãs que exigem ação conjunta, escuta, coragem e transformação.” Ele assegurou que a comissão da Ordem atuará na observação de projetos em trâmite nas casas legislativas que violem ou promovam direitos. “Não há liberdade de expressão para oprimir e atacar.”
Ao final da audiência, o espaço foi aberto para manifestações do público.
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